Dicas para leitura de charges | |
A charge é um texto. Você pode achar estranho chamar um desenho de texto. No senso comum um texto é composto por palavras, como uma notícia, um poema, um aviso ou uma carta, para citar alguns exemplos. Mas o sentido de texto aqui é mais amplo. Ele é um conjunto de códigos ao qual o leitor atribui sentidos no seu ato de leitura. Esses códigos podem ser de várias matrizes: linguísticos, visuais, sonoros, imagéticos. Dessa forma é possível fazer uma leitura - atribuir sentidos - de uma pintura, uma escultura, um poema, uma dança, etc. | |
A charge carrega uma linguagem de natureza híbrida. Geralmente ela usa o código linguístico (o texto verbal) e o imagético (o código visual, o desenho). Mas, é importante lembrar um aspecto importante: A charge SEMPRE será prioritariamente imagética. Ou seja, ela pode ou não conter o código verbal mas jamais prescindirá do desenho. | |
O que é leitura? | |
Antes de tudo precisamos lembrar que as charges podem ser incluídas no grupo dos textos não pragmáticos, dos textos literários. Não estamos rotulando as charges de Literatura, mas elas usam recursos comuns como simbolismo, metáforas, ambiguidade, entre outros. Ler uma charge é diferente de ler uma notícia, um aviso ou uma carta. | |
A leitura é um processo complexo. Ela envolve a apreensão dos códigos do texto e as relações com nosso conhecimento de mundo, as informações que já temos adquirido em outras leituras. Esse processo é cognitivo, exige um exercício de associação de ideias. Nossa memória é ativada e uma rede de sentidos entra em ação durante a leitura do texto. A charge é um texto argumentativo, que nos dá elementos e nos persuade a elaborarmos uma compreensão dos fatos abordados. Nossas emoções também são requeridas no processo de leitura das charges. É comum a abordagem de temas sensíveis da vida em sociedade, como a fome, a violência, a exclusão social e etc. Todos esses aspectos precisam ser levados em conta durante a leitura de uma charge. Seguem três dicas para auxiliar na leitura de charges. | |
1. Exploração inicial | |
Lembre-se que a charge é um texto jornalístico. Ela é criada a partir de um fato do noticiário. Se o seu suporte for uma publicação jornalística (impressa ou virtual) é comum que a notícia relacionada com a charge esteja no conteúdo da publicação e, provavelmente, na manchete principal, a notícia mais relevante, ou no editorial, texto opinativo que reflete a visão o jornal sobre o fato noticiado. É bem provável que o assunto da charge seja de conhecimento público, divulgado em veículos televisivos ou nas redes sociais. De qualquer maneira, você precisa compreender de maneira mais profunda possível aspectos diversos do tema da charge (personagens, siglas, eventos). | |
Em outras palavras, para uma leitura eficaz de uma charge você precisa entender o seu contexto. Perguntas como essas precisam ser respondidas: Quem são esses personagens? Que fato político, econômico, social, esportivo, ambiental está sendo abordado? | |
2. Analise as pistas fornecidas | |
Em uma charge bem elaborada, quase nada é supérfluo ou dispensável. Muitas vezes a simples escolha de uma cor tem relação com algum discurso político ou um contexto cultural. O simbolismo é muito utilizado pelos chargistas. Um objeto retratado pode servir como uma metáfora e você precisa estar atento a esses elementos. Na construção de uma charge os chargistas também recorrem ao recurso da intertextualidade. | |
Letras de música, ditados populares, contos de fadas, lendas, personagens e situações da cultura popular ou do universo do cinema podem ser inseridas na charge para produzir o seu humor. É necessário compreender o sentido e o contexto do texto importado para realizar uma boa associação e assim atribuir com eficiência o sentido humorístico da charge. | |
3. Dialogue com o texto | |
Uma das características dos textos literários e comumente presente charges é a sua natureza polissêmica. Polissemia significa muitos sentidos. Isso se dá porque um texto literário não carrega seu sentido pronto, transmitido sem ruído do autor ao leitor. Um aviso, uma notícia, uma receita, por exemplo, não devem propiciar ambiguidades. Diferentemente, no caso de um poema, por exemplo, os sentidos são construídos pelo leitor no ato da leitura. Vários leitores podem atribuir sentidos diversos a um mesmo poema. | |
Da mesma forma, uma charge não precisa ter um único sentido a ser atribuído a ela, uma única leitura oficialmente autorizada. Claro que podem ocorrer equívocos no processo de associação das pistas fornecidas pelo autor. Isso pode ocorrer por alguma imprecisão tanto do autor quanto do leitor. Uma caricatura mal construída que não permita sua identificação pelo leitor pode ser um grave obstáculo. Por outro lado, mesmo a caricatura elaborada com maestria pode ser ineficaz se o leitor não tem a informação necessária sobre o personagem caricaturado. Como texto argumentativo que é, uma charge propõe uma leitura plausível a ser executada pelo leitor. Mesmo assim, é possível que os leitores realizem associações legítimas diferenciadas, inclusive, com discordâncias entre essas leituras. |
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